Marceneiro, idoso e pobre. Este é o perfil do criador de uma das marionetes mais famosa da literatura e do cinema. Originalmente criado pelo escritor e jornalista italiano, de Florença, Carlo Collodi, o pseudônimo de Carlo Lorenzini, no século XIX, a fábula do boneco de madeira que, depois de tanto contar lorotas, o nariz crescia.
Com o passar do tempo, tornou-se o filho que o seu criador, o velho marceneiro Gepetto tanto queria, ficando ainda mais famoso após virar clássico de Walt Disney, em 1940.
Na história, o marceneiro vê uma estrela cadente e pede que o boneco que acabou de criar ganhe vida. Pinóquio seria o nome dele. Depois de tantas peripécias, a fada azul atende seu pedido e pede à Jiminy Cricket para servir a consciência do menino. Mas, obediência, lealdade e bravura eram alguns dos requisitos que o boneco de madeira teria que ter para tornar-se um ser humano.
O Grilo Falante, um personagem simbólico, foi eleito pela fada para acompanhar o boneco contra vários personagens malvados. Um cocheiro que sequestra crianças, e até mesmo malfeitores, que queriam pegar o boneco e levar para um show de marionetes, são algumas das cenas.
É com esta fábula, que desde 1937, o Hospital das Bonecas, Brinquedos e Games, que fica no bairro, emociona e orgulha os clientes. Com o sucesso, atualmente têm outras três unidades: Itaim-Bibi, Brooklin e São Caetano.
Quarta-Feira (3). 14h. 25°C.
Ao entrar, uma recepção com enfermeiras caracterizadas deixa o cenário lúdico. Do outro lado do balcão, brinquedos que variam da década de 60 aos anos 90. Não é difícil se deixar levar pela emoção ao ver os brinquedos antigos que marcaram uma época. Um trenzinho Vai-Vem, do Mickey, fabricado pela Estrela, na década de 80, e até um caminhão dos Bombeiros, de controle remoto, da mesma época, deixa o cenário nostálgico e mais lúdico.
Para as mulheres, do lado direito da porta de entrada, uma prateleira com bonecas famosas, de diversas épocas, contagia pelo clima de encanto infantil. Uma boneca simulando um atendimento cardiológico em outro espaço, e um berçário com cinco bonecas - em que ficam as bonecas reparadas - chamam a atenção.
O empresário Leandro Capelo, 65, é o responsável por manter e permitir que esta história de sucesso se mantenha no bairro. Desde 1965, há 56 anos, Capelo frequenta e faz desta empreitada um grande sucesso. Início do século XX. Com avós italianos, que se conheceram em Veneza e depois migraram para o Brasil.
Seu avô, que trabalhava numa fábrica de tecidos do Brás, decidiu abrir uma lojinha, e ao ser o primeiro autorizado da marca Estrela, e assim foi construindo uma história de excelência e técnica no conserto de bonecas, brinquedos e games.
“Naquela época, quando começou, no fim do bairro, na Praça 8 de Setembro, era aonde paravam os bondinhos do bairro, daí para frente, São Miguel e Cangaíba, não tinha condução mais, então por isto, por este recorte histórico, o hospital das bonecas virou um ponto de tradição e referência neste segmento”, lembrou.
Ao chegar, na recepção uma placa de pronto atendimento. Brinquedos para consertar, carrinhos e bonecas são atendidos, de maneira lúdica, como se estivessem mesmo num hospital. “Tentamos trabalhar e deixar este lado mais lúdico para que nossos clientes sintam confiança e credibilidade. O brasileiro é sentimental, por isto que nós temos esta impressão e zelo por consertar”, disse.
Mensalmente, cerca de 3.000 brinquedos são consertados no hospital, e com a pandemia, com mais crianças em casa, houve aumento de 30% na demanda dos serviços. Consertos entre R$ 80 a R$ 150. Um comércio cheio de contrastes. Bianca Silva, 21, moradora da região, há quatro anos é um dos “Gepettos”, do hospital fictício. Dedicada, a menina começou como estagiária de Administração, e foi conquistando seu espaço.
“Sonho é a palavra que define isto para mim. A gente trabalha muito com o sonho das pessoas, então da maneira lúdica que agimos começamos a entender o valor sentimental de um brinquedo, é o que define”, disse. No 2°, dos três andares, o técnico eletrônico Odailton Mello, 40, está numa bancada com cerca seis meninos, soldando os componentes eletrônicos de alguns brinquedos.
Morador do extremo leste, e pai de dois filhos, chegou ao emprego por indicação, sempre com o jeito curioso, em casa já mexia com isto, e chegar aqui ajudou a aflorar o ofício. “Satisfação é a palavra que define meu trabalho, é o que gosto de fazer, tanto tempo e eu gosto de mexer, analisar e consertar coisas. Gosto mais de consertar brinquedos Estrela, é nostálgico”, disse.
Numa descrição perfeita de suas atividades diárias, a funcionária Aparecida Nazaré, 39, há sete anos, desde 2015, também é uma das médicas do hospital lúdico. Consertar os olhos, arrumar os braços e trocar cabelo das bonecas é uma de suas funções. Moradora da periferia, ela também ajuda na limpeza do lugar.
“Adoração. Sou satisfeita e grata em fazer este serviço. Me apeguei nas bonecas e desta maneira faz a gente lembrar a infância. Temos oportunidade de aprender e ensinar a motivar outras pessoas, estou trazendo outras pessoas da minha família para aprender esta arte”, disse.
Jorge Neto, 35, é técnico dos carrinhos motorizados, há 17 anos no ramo, tem paixão pelo que aprendeu ali. “Gratidão é o que tenho por aqui. Ver o sorriso das pessoas e a felicidade no rosto das crianças, é gratificante”, disse.
Recepção. 15h40.
A aposentada Fátima Bairros, 57, colecionadora de bonecas, está levando mais uma boneca para ser reparada. Da Penha, tem uma relação de respeito e nostalgia pelo lugar.
“Tenho uma história muito peculiar com a Barbie. Coleciono e revendo algumas. No meu caso, são bonecas antigas e que precisam ser restauradas, não conheço outro lugar, com esta credibilidade, que faça isto. Têm bonecas que adquiro em leilão, então um dedinho consertado tem muito valor”, ressaltou.
Deixar uma boneca consertada no berçário, ou ver o carrinho de controle remoto arrumado sendo trazido de dentro de uma garagem dos bombeiros, é uma rotina que emociona a atendente penhense Renata Assunção, 52, uma das funcionárias mais antigas.
Há mais de 25 anos no atendimento, falar do que faz, e lembrar histórias marcantes, deixa entrevista envolvente. “Eu adoro trabalhar aqui. Amor é o que define meu ofício, gosto de atender e ver a reação das crianças ao receber uma boneca ou carrinho consertado, é motivador”, disse.
Dentre outras histórias, uma ela se lembra com carinho. “Uma cliente trouxe um carrinho de controle do filho para arrumar, pois o filho estava internado e no hospital, nisto ela começou a chorar, chorei junto com ela – os olhos da atendente se enchem de lágrimas – me emociono, pois foi muito comovente, e a alegria dela ao levar o carrinho consertado para o filho, foi uma cena mágica”, disse.
Para o empresário Leandro, uma palavra define este sonho. “Dedicação, porque tudo que você se propõe a fazer tem que ser dedicado. Se pegar um celular para consertar a sua dedicação tem que ser a melhor, muitas vezes a gente fala pro cliente que ficará menos, e entregamos mais, o cliente traz porque tem uma memória afetiva, se não ninguém trazia”, disse.
*Matéria original publicada em 03 de Março de 2021 no Portal Penha News SP pelo repórter Jordan De Sampa
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